Thursday, August 24, 2006




quanta saudade. a saudade é tamanha que chega me doer os ossos. sinto saudades até do que nunca tive e do que ainda está por vir. esse sentimento traiçoeiro me traz a sensação confortante de uma necessidade e sem se despedir vai embora sorrateiramente. a saudade trae o meu desejo. mas, vá em paz e antes de chegar, avise. bata na porta e diga que está a caminho. assim posso me preparar. me vestir com roupas frias, tirar as flores da sala e trazer as fotografias, cartas e memórias para a mesa. e lhe peço, quando for a sua hora de sair, não deixe nada. recolha tudo, inclusive o seu cheiro. para que dessa forma eu possa emprestar o meu tempo a outro alguém.

Friday, August 18, 2006

Quase Dois


eu me estendo até você. estico meus braços, elevo meus dedos, relevo as minhas pernas para ter a ilusão de ter por perto. esforços longínquos e descompassados, um trabalho que atravessa o tempo e na consciência de que estraga a minha pele.

esse órgão se flagela e se impõe dentro de uma tísica autoridade. e que em nenhum momento você percebeu o meu fado. essa minha condição, penetrou em seus olhos e por alguns instantes se alojou em sua cabeça. se não fosse o tempo encarnado na sua indiferença, minhas lembranças alugariam a preço de ouro alguns cômodos de seu corpo e de sua alma. espécie de fotografia.

sem decência, você pegou o primeiro ônibus rumo a qualquer lugar. pois qualquer espaço te cabe. em qualquer ambiente você é capaz de brotar mesmo sem criar raízes. e de desaforo, ainda floresce deixando para mim um rastro de fragrância e cor. sentidos rebeldes que, mesmo que eu não queria, penetram pelas as minhas entranhas e me remetendo ao seu fantasma.

mas não carregue um sorriso largo nessa boca de onde tanta saliva tirei. anote, mesmo que seja em um pequeno pedaço de papel, que o infinito, mesmo que seja eterno, um dia padece e se rende.

Monday, August 14, 2006

Pernas


eu gosto das minhas pernas. quando peço, elas me levam para onde eu quero; e quando quero, me trazem de volta. nesse vai-e-vem do cotidiano, elas me acompanham. passo a passo chego com destinos certos ou errantes. no pensamento de algumas horas, vagueio pela capacidade das minhas pernas. os músculos, os ossos, as veias e nervos um complexo biológico onde se configura um espaço de força e tenacidade. a turgidez das fibras e o impacto do qual são submetidas.

até mesmo quando a luz se apaga e a dona da noite se apresenta, meus membros são homéricos. minhas pernas suportando outras pernas, se envolvendo com outros pêlos e trocando cheiro e saliva. uma casa de deus baco. minhas pernas com as pernas dele se entrelaçam formando uma rede caótica.

eu não sei mais viver sem as minhas pernas. a turgidez dos seus músculos desenha sob a minha pele a perfeita arquitetura de suas fibras. um emaranhado firme e complexo que de tão rígido, um prego a atravessa, sangra, chora, mas não faz doer. caio no pensamento de acreditar que elas são de concreto. uma armadura de pedra e cimento fantasiada de carne e regada a sangue. gosto dos meus membros. ainda mais por saber que a convergência de cada perna minha me leva ao meu sexo. um prazer, uma ligação entre o meu corpo e algum universo.
eu gosto das minhas pernas.

Saturday, August 12, 2006

pai




como é de costume mundial e faz parte do calendário universal, o segundo domingo do mês de agosto é reservado para a comemoração do dia dos pais. a celebração da paternidade. mesmo não sendo pai de ninguém (salvo dos meus pensamentos), acredito que nos atuais dias exercer esse papel não seja uma tarefa fácil. compor família, ser o provedor de uma casa, educar filhos, jogar bola nos finais de semana, conversar com o gerente de banco, gostar da sogra, assinar boletim no fim de bimestre são algumas das atividades dos nossos heróis anônimos. O despertador ainda não berrou e ele já está de prontidão para a vencer o dia que ainda está na aurora. Entre um trago e outro, o cigarro se mistura com alguns goles de café. e o pai nosso dia se envolve com a multidão para trazer o pão nosso de cada dia.

Wednesday, August 09, 2006



Hoje acordei em paz. Abaixei as minhas armas, despachei todas as munições ao meu redor e no ponto mais do cume da minha vida, hastiei uma tremulante bandeira branca. Nessa manhã morna, me despi de todas as armaduras, projetil, tanques e armadilhas. E sem nenhuma carapuça, nu, senti o que há muito tempo não percebia. Nesse pequeno universo existencialista criei um pouco do seria um pouco de mim. Pedi passagem ao vento que atravessava a janela naquele momento para invadir, junto a ele, aromas repousantes, lembranças aconchegantes e algumas doses de paz.
Pela última vez me despedi das trincheiras e dos becos de guerra. Já nem me lembro mais o som entorpecente de gritos dos desalentos. Deixei para trás o sangue coalhado que de uma veia aberta saiu e que mesmo quente não criou sensibilidade. Para o tempo, reservo o trabalho de tornar as poucas lembranças em ferrugem, os meus músculos em menos fibras e da semente uma flor.
Postei para quem quisesse ler, mensagens de paz escritas em papel branco. Nas margens, adornos, no conteúdo a esperança e no pensamento a lembrança. Parábolas, filosofias e recordações. Reflexão para sentir o gosto do café e sabor de ser beijado. Hoje acordei pedindo paz.